data Categoria: Colunas |  data Postado por Anildo há 14 anos | Imprimir Imprimir
Pedro Careca, Coruja e Vitor Pinguelo

Tenho recebido, ultimamente, vários e-mail de amigos contemporâneos que são eleitores contumazes de “Causos da Terra” e suas histórias, vivenciadas em tempos passados. E, como tal, lembraram-me de Pedro Careca, Coruja e Vitor Pinguelo, dentre outros que conviveram com a nossa meninice.
Comecemos, pois, por Pedro Careca que em sua estatura pequena carregava a grandiosidade de um homem educado e gentil, a distribuir favores diversos às senhoras donas de casa, como bater bomba para encher a caixa d’água ou comprar temperos e recolher o lixo do quintal , em troca de uma caneca de café ou um prato feito, apimentado. Pedro Careca nunca dizia não e jamais se zangava, mesmo quando a molecada bradava: Pedro Careca, ladrão de moqueca ! Ele sorria, desconversava e ia “cerrar” um picolé na sorveteria de Zé Oliveira, na antiga Usina de Luz. Com a mesma simplicidade que viveu, partiu para sempre, levando a sua fleuma e simpatia dentro do seu paletó surrado.
“Coruja, um nome que eu dei a certo alguém, que passa e nem se quer olha ninguém, pensando só dar ela no lugar”… Este era o refrão da música Coruja, sucesso da Jovem Guarda, que atiçava a velha octogenária a xingamentos indecorosos quando a corja dos ‘sem-o-que-fazer” mexia com aquela senhora de olhos grandes – origem do apelido-, lenço na cabeça amarrado sob o queixo, um guarda-chuva na mão e um cão vira-latas, seu fiel companheira, sempre a seu lado. Os palavrões eram tão fortes e o latido pavoroso de seu cachorro feroz que os meninos corriam em debandada pelas areias escuras da rua Severino Vieira, entre as casa da professora Belazinha e de dona Ica, dos famosos pirulitos. Era uma festa para a garotada para tristeza da inofensível Coruja que sempre dizia:”menino é o capeta em figura de gente”…
Botei aipim no fogo e chamei guelo pra comer, vamos comer aipim, guelo?… Vitor Pinguelo não podia ouvir esse refrão porque aflorava em si outra personalidade, contrária a seus princípios de homem religioso. Homem simples, bem vestido, beato de carterinha, cabelos longos lambuzados com brilhantina Glostora, penteados rente ao couro cabeludo, dava-nos a idéia de um “sir” da aristocracia inglesa. Mas não passava de um simples cidadão de bem, quando não ouvia a famosa musiquinha do aipim no fogo. A transformação era instantânea: xingamentos, palavrões, pragas, agressividades e uma mudança radical em seus hábitos para deleite dos “pestinhas” que sempre fugiam em acelerada algazarra da ira do amargurado ancião. À noite, estava Vitor Pinguelo, na Igreja São Sebastião, se redimindo de seus pecados.