Em 1964 eu entrava , após exame de admissão, para o ginásio Pedro Calmon. Stela Bandeira, Zé Carneiro, Nola Batinga, Levita Bittancourt e outros grandes professores eram a bússula que norteava os destinos de nosso aprendizado. Quantas saudades ! O prefeito era Aurino Mendes que sucedera Dejsnira Rezende de Souza, dona Nirinha, a primeira prefeita de Belnonte. Lomanto Junior governava a Bahia e aqui viera para inaugurar a recemconstruida estrada Itapabi – Belmonte, rasgando assim mais de sessenta quilômetros da mata Atlântica. Foi, também, o ano do Golpe Militar que movimentou tropas e tanques, no célebre 31 de março, para derrubar o governo de João Goulart que, aliado a Leonel Brizola e Carlos Lacerda, era considerado ” uma ameaça à ordem e as às instituições do pais ” Época difícil e de protestos. Começava aí uma página negra na vida do Brasil.
Aqui nesta terras de areias brancas, os jovens levavam uma vida mansa, dividida entre estudos, esportes (baleado, babas, gudes, pião, arraias) e a esperar pela chegada dos navios Camacã, Cachoeira, Dois de Julho e outros de menor calado, em tardes de maré grande e muita movimentação no cais do porto, local de concentração de estivadores, carregadores, desocupados, famílias que esperavam parentes vindo da capital, numa operação frenética de atracação e desembarque. O apito forte do navio, o sino que determina avante e ré ao maquinista, o cheiro de maresia, o lodo do jequitinhonha revolvido pelos hélices, faziam daquelas tardes momentos inesquecíveis.
Televisão era um eletrodoméstico caro e nos acotovelávamos para assistir a Discoteca do Chacrinha ou o Baú da Felicidade do Silvio Santos na casa de dona Nirinha, onde seu irmão Dazu implantou uma torre para captar as imagens televisivas – mesmo que distorcidas. A praça São Sebastião era o point da paquera . ^À noite os jovens giravam em grupos enquanto as ” cantadas ” aconteciam sob os olhares daqueles que preferiam bisbilhotar, sentados aos bancos. Muita conversa para mostrar o grau de politização e do conhecimento dos fatos daquele ano ; falava-se de O Cruzeiro, Pif-Paf, Millor Fernandes, da criação do SNI – que pavor ! – do BNH, da extinção da Une, da criação do Monoquíni e do espetáculo Opinião que nos levava a cantar em protesto: ” Podem me prender , podem me bater, podem até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião “. Ainda neste ano, Glauber Rocha, com uma ” Câmara na mão e uma idéia na cabeça ” lançou Deus e o Diabo na terra do sol, filme emblemático do cinema novo e de um Brasil que só Deus sabe. Foi assim e muito mais…